“Passado, Presente e Futuro”: a trajetória dos sonhos de futuros profissionais da Segurança Pública
19 de julho de 2024 - 11:11 #Aesp/CE #formação aesp #Passado Presente e Futuro #PMCE
Edmundo Clarindo/ Elis França – Texto
Leandro Freire/Cristiano da Silva – Fotos
Ianne Teles Alencar foi uma menina que nasceu com uma vocação: superar as adversidades da vida. Em Crato, no Cariri cearense, ela veio ao mundo em 19 de abril de 1999. Duas décadas e meia depois, em Fortaleza, ela está em fase de preparação rumo à vida militar. A aluna-soldado do 10º Pelotão do Curso de Formação de Soldados (CFSD) conta, na Academia Estadual de Segurança Pública do Ceará (Aesp/CE), um biografia marcada por dor e realização.
Passado
Criada na região do Cariri, em uma casa tradicionalmente cearense, família grande, filha de Maria de Fátima e Francisco Carlos, irmã caçula de Aline, Yuri e Igor, Ianne nasceu com força de uma mulher nordestina, guerreira e destemida. Formou-se em Direito sob a orientação dos pais, unindo o desejo pessoal de servir futuramente na carreira policial. “Meus pais me incentivaram muito a estudar, já sai do ensino médio para a faculdade estadual da minha cidade, cursando Direito e pensando em carreiras policiais. Toda a faculdade foi feita pensando nisso”, relembra.
A vida não tardou a apresentar as piores perdas familiares. Enquanto se preparava para exame da OAB, iniciava um período na vida da aluna-soldado Alencar que descobriria dentro de si muita fé, força e resistência: a perda repentina do irmão, aos 28 anos em abril de 2022. “Todos os meus irmãos são muito importantes na minha vida, somos muito unidos. Em 2022 eu perdi meu irmão com idade mais próxima à minha, que a gente cresceu junto, era realmente a dupla. Foi uma perda que ninguém esperava, meu irmão era muito jovem, apesar da obesidade, não tinha problema nenhum de saúde, pegou todo mundo de surpresa”, lamenta.
O irmão Igor deixava a família, pais, esposa, irmãos e um filho de um ano de idade, José Iago, diagnosticado com uma síndrome rara. O sentimento de luto se misturava com a vontade de crescer profissionalmente para dar um tratamento adequado ao sobrinho e tranquilidade aos pais.
“Quando meu irmão faleceu, ele deixou um filho de um ano com uma síndrome tão rara que não chegou nem a ser identificada. Eu me vi responsável, eu senti que o meu irmão sentia muita confiança em mim para cuidar do filho dele, às vezes meu irmão precisou se ausentar da UTI, ele confiava em mim pra eu estar lá. O que meu deu força pra estudar foi pegar essa responsabilidade de dar total condição de tratamento para o meu sobrinho”, rememora. “Estudar pra mim foi uma forma de lidar com meu luto e o luto da minha família”.
A nova fase na vida de Alencar se dividia em cumprir o estágio profissional, amparar o sobrinho e a família nesse período de luto e estudar para concurso da Polícia Militar do Ceará, incentivada pelo irmão Igor. A rotina de estudar oito horas por dia estava à esperança de um futuro digno para toda a família, mas também honrar o irmão que tanto incentivou a ser uma militar.
“Minhas aprovações eram uma forma de tranquilizar meus pais para que eles pudessem sentir o luto deles. Foi um refúgio, uma forma de tranquilizar meus pais e uma segurança para o meu sobrinho. Para mim foi uma conquista grande, porque meu irmão fez parte dessa pessoa que eu me tornei, ele sabia da minha capacidade, da minha vontade de se tornar policial, era uma forma de homenagem para ele também ter uma conquista dessas”, ilustra.
A dor da perda de dois entes queridos se equiparava à vontade de vencer ainda mais, como forma de tranquilizar os pais sobre o seu futuro. Mas a vida, muitas vezes, coloca-nos à prova de situações que, diante das quais, achamos não ter estrutura de suportar, como o capitulo seguinte na vida da aluna soldado Alencar. O mês de abril que testemunhou o nascimento da futura soldado PMCE e do pai, também foi o mês que marcava a partida do irmão Igor e agora do sobrinho José Iago – o sobrinho não resistiu à síndrome rara.
“Quando o meu sobrinho também se foi, a gente ficou perdido, muito triste, era como se a gente tivesse perdendo meu irmão de novo. Foi muito difícil e foi o período que eu me dediquei aos meus pais”, conta. Nesse período, a futura soldado se dedicou a cuidar do pai, que estava sofrendo com o luto do filho e neto, e também com a descoberta de um câncer.
“Eu já tinha finalizado a faculdade, tinha sido aprovada na OAB, tinha sido aprovada no concurso, tava esperando chamar as fases. Como eu estava em casa, fui me dedicar aos meus pais. Então, foi um tempo que eu cuidei dos meus pais e estive muito presente na vida deles. E o que eu não me arrependo é porque eu fiz todas as vontades do meu pai”, recordou.
Em janeiro de 2023 ela foi aprovada no concurso da PMCE e, em meados do mês de julho, iniciavam as etapas iniciais do concurso – uma delas é teste o Teste de Aptidão Física, que aconteceu em Fortaleza, a quase 500 quilômetros do município de Crato. Mas não sabia ela que, ao chegar à capital cearense para realizar os testes, o pai teve uma piora no quadro de saúde e foi encaminhado para a UTI em Juazeiro do Norte. Era uma notícia que preocupou a futura militar e a fez desejou voltar para vê-lo.
“Meu pai estava consciente, conseguindo falar, ele me ligou e me tranquilizou que estava bem, que queria muito que eu finalizasse a etapa, que eu não precisar ir, que ele ia me esperar voltar que eu podia finalizar o TAF. E foi isso que eu fiz”, complementa. “Ele sempre falou que queria muito me ver no cargo público e eu consegui ainda em vida dar essa conquista a ele”, aponta.
Alencar concluiu o TAF e foi aprovada. Essa notícia da aprovação deu a alegria e a honra de contar pessoalmente ao pai em Crato. Mas, após uma semana, o pai faleceu.
“Quando cheguei no sábado, a primeira coisa que eu fiz foi trocar de roupa ir para o hospital, para dar a noticia a meu pai, que eu tinha conseguido, tinha sido aprovada. Uma semana depois ele faleceu. Ainda consegui me ver conquistar a aprovação em todas as etapas, era algo que ele (pai) se preocupava muito com minha independência, ele sempre falou que queria muito me ver no cargo publico, e eu consegui ainda em vida dar essa conquista a ele”, ressaltou
A história da aluna Alencar não é apenas um testemunho de perdas de entes familiares; representa a resiliência, a força, onde a dor se transformou em determinação, o luto em vontade de amar ainda mais e cuidar dos familiares, as perdas em avanço para o futuro construído com honra.
Presente
A força que Alencar ganhava para seguir vinha de uma fonte de amor: a mãe Maria de Fátima. Hoje, a aluna-soldado Alencar está concluindo o curso de Formação de Soldados da Policia Militar do Ceará na Aesp/CE, em Fortaleza, Ela chegou a esta academia após três meses do falecimento do pai. Deixar a mãe sozinha em casa, em Crato, não foi decisão fácil. Essa separação dolorosa testemunha o compromisso e responsabilidade com sua missão: honrar a família, servir na segurança pública e inspirar outras mulheres. A força que Alencar ganhava para seguir vinha de uma fonte de amor: a mãe Maria de Fátima.
“Em nenhum momento ela (mãe) me deixou desistir, ela me deu força, até hoje quando estou aqui com saudade de casa ela me dá força. E é por ela. Penso futuramente em dar um apoio a ela, ser um apoio financeiro, proporcionar melhores condições de vida para ela. Minha mãe sempre me incentivou muito, porque ela sempre foi dona de casa, ela sempre quis me ver independente, ser mulher forte. Então, eu estou aqui hoje, por ela, por toda nossa história, por toda nossa família”, celebra.
Acolhimento na nova familia: Aesp
“A gente foi muito bem acolhido, nosso monitor dá muito total apoio e assistência para tudo que a gente precisa. Desde quando eu cheguei aqui, pois eu estou do interior, ele sempre se dispôs a ajudar no que fosse necessário. E o pelotão também. A gente acaba se tornado amigo, eu sei que não to sozinha aqui. Fui muito bem acolhida”, reitera.
Reconhecimento da população cearense
Hoje, a aluna-soldado faz parte do reforço de policiamento ostensivo em Fortaleza e Região Metropolitana. “No primeiro dia, quando a gente realmente está todo fardado, com fardamento oficial, com o armamento, passa um filme na nossa cabeça de toda nossa história, quanto sacrifício e suor, e quanto pessoas estamos representando ali, e o que me deixou muito feliz foi notar que a população se admira bastante por ver uma mulher de farda. Era um dos meus objetivos inspirar outras mulheres”, revela.
Futuro
Por trás da delicadeza do olhar e do sorriso, encontramos uma mulher segura e decidida a vencer os obstáculos da vida, de sonhos grandes como a força que existe dentro dela. “Então, por eu ser bacharel em Direito, eu almejo cargo de delegada de polícia, pretendo continuar me dedicando à segurança pública do Estado do Ceará, e me dedicando ao meu cargo agora sendo efetivamente uma policial, mas almejando crescer e continuar servindo à população”, finaliza.