“Passado, Presente, Futuro”: A trajetória dos sonhos de futuros profissionais da Segurança Pública

5 de abril de 2024 - 08:35 #

Edmundo Clarindo / Elis França  – Texto
Cristiano da Silva / Leandro Freire – Fotos

O 13º episódio contará a história do aluno-soldado Carlos Matheus da Silva Nascimento, 28 anos, pai de dois filhos, um deles autista.

Não estranhe se, ao ler essa matéria, você se emocionar. Esse sentimento é comum ao ouvir as histórias quase diárias de vidas marcadas por superação entre os alunos que estão em cursos de formação da Academia Estadual de Segurança Pública do Ceará (Aesp). Muitas vezes, por trás da farda dos militares, mais do que honra e caráter, prevalece a dignidade de um homem ou de uma mulher que luta em prol de sua família. Ser praça ou oficial da Polícia Militar do Ceará é símbolo de compromisso e dedicação para carregar no peito o tão famoso brasão. Um desses exemplos é Carlos Matheus da Silva Nascimento, 28 anos, pai de dois filhos, um deles autista, casado há 10 anos. Diante de muitas dificuldades, ele conseguiu, aos 28 anos, passar no concurso da PMCE. Hoje, é aluno do Curso de Formação de Soldados.

PASSADO

Nascimento é natural de Sobral, na região Norte do Ceará. O aluno-soldado do 1º Pelotão do Curso de Formação teve uma paixão pela PMCE logo cedo, dentro de casa, admirando o trabalho do pai militar. “Eu cresci vendo ele vestindo a farda como policial, aquela autoridade na cidade. Lembro muito quando ele ia olhar a escala no quartel. E eu aproveitava para andar pelas dependências do quartel lá de Sobral. Com o tempo que se passava, eu fui me imaginando naquele ambiente”, recorda Nascimento.

Aos 18 anos, como se o próprio sobrenome fosse um presságio, o jovem viu a vida se multiplicar logo cedo. A então namorada – hoje esposa, Jamily – estava esperando um bebê. Para quem sonhava tanto com o futuro, a realidade do presente exigia equilíbrio e responsabilidade. Não demoraria muito para que o Murilo viesse ao mundo. “Em 2015 eu já estava em relacionamento com a minha esposa. A gente descobriu que ela estava grávida. Ela e eu estávamos no Ensino Médio quando descobrimos a gravidez do Murilo. Foi um ponto importante porque meu pai sempre me criou nessa questão da responsabilidade, principalmente quando tem uma criança a caminho. Ele colocou mais ainda na minha cabeça a necessidade de trabalhar para sustentar a família”, detalha. “A sua família a partir de agora é ela e sua criança”, dizia o futuro avô.

O nascimento prematuro do Murilo e nascimento da fé

“Em 2014 para 2015 teve um probleminha no nascimento do Murilo. A vida real tem dessas coisas. Muita gente não sabe das lutas que passamos. Ele nasceu com 6 meses de gestação, prematuro, e os médicos diziam que era um aborto natural. Diziam que a gente era novo ainda, que tinha muito tempo par ter outros filhos. Ele passou quatro meses da UTI. E a gente teve alegria de recebê-lo em casa, apesar de os médicos desacreditarem.”

Primeira oportunidade de fazer concurso PM

Nascimento ficou emocionado ao longo de toda a entrevista relembrando cada capítulo de sua história. Foram três tentativas para concurso em meio a um cenário que parecia desafiador. Mas, ao final, foi um grande impulso para ser quem hoje ele é: policial militar!

O diagnostico do filho com autismo

Mas a família do Nascimento foi surpreendida por um diagnostico do filho Murilo, aos três anos, com transtorno do espectro autista. O futuro soldado da PM se viu diante de novos desafios. “Murilo foi diagnosticado com autismo de 3 para 4 anos de idade. Porque ele teve o desenvolvimento normal. Ele andou no tempo certo, sentou, fazia tudo direitinho. Só que, quando foi o tempo para poder começar a se comunicar, ele não se comunicava. Às vezes a gente chamava ele pelo nome, ele não respondia, a gente tinha que fazer um barulho característico para ele poder olhar. E começou a busca pelo diagnóstico, saber o que ele tinha.”

Com o diagnóstico do Murilo, a família ficou ainda mais unida e com força de vencer! Emocionado, Nascimento fala do período que a esposa Jamily abriu mão do trabalho para se dedicar totalmente à família, em nome do futuro e do amor pelo filho e pelo esposo. “Nós dois trabalhando… A gente estava olhando apenas para o lado financeiro da casa. Eu estava olhando para as necessidades do Murilo. A gente via que ele tinha uma necessidade de estar com pessoas, para poder acompanhar ele tanto na escola quanto nas tarefas pessoais do dia a dia. Ele era muito dependente de comer, de ir até o banheiro”.

Segunda Preparação para concurso

Uma tentativa frustrada poderia eliminar os sonhos de ingresso na PMCE, mas não foi o que aconteceu. “Veio o concurso de 2021, eu dei o gás, estudei bastante. Faltou coisa pouca para eu poder entrar.” Às lágrimas, Nascimento conta de onde vinha a força para não desistir. “Vinha do Murilo. Eu falei pra ele, que isso que o papai estava fazendo não era por mim, era por ele.”

Resiliência

Em 2022, Nascimento agarrou nova oportunidade do certame da PM. “Então, veio uma oportunidade em 2022, abriram outro concurso da PMCE. Aí eu falei: agora, dessa vez, vai dar certo”, previa. “Chegou um momento na minha vida em que eu pensei comigo mesmo. Minhas próprias forças quase não estavam dando. Eu tinha pedido muito pela vida dele (Murilo) quando ele estava no UTI. E, quando ele saiu da UTI, eu achava que já tinha conseguido o milagre, que eu não tinha mais créditos com Deus. Eu não me achava digno mais de ir à igreja, de pedir, de orar. Eu falei: “não, só Deus pode dar um jeito.”.

Maior incentivadora a esposa

“Todas as coisas cooperam para o bem daqueles que amam a Deus”. Foi esse versículo que marcou o período da preparação até aprovação e também da vida. Ele não desistiu. “Tem uma frase que minha esposa sempre fala: ‘Todas as coisas cooperam para aqueles que amam a Deus”. Não sei o que eu faria sem ela sempre me convidando para igreja enquanto eu estava relutante. Ela sempre abdicou do crescimento dela para a família.”

Chegada da aprovação e novo filho

Nascimento Foi aprovado no concurso para PMCE. Não fosse bastante, a notícia veio com mais felicidades: a esposa esperava um novo bebê! E as emoções tomaram conta da família com amor, alegria, medo e desafios. “Aí veio a aprovação. Junto com a aprovação veio a notícia de que ela estava grávida de novo. Murilo e Danilo. Uma alegria também desde casa. Dentro de casa, os amigos da igreja, todo mundo foi, meu pai, minha mãe.. Com um misto de emoções, de ser pai novamente! Só que aí vem também aquele receio, né? Demorou muito tempo, de uma gestação para outra.  Tinha muito receio da nossa criança ter autismo, porque é muito difícil, é muito difícil, muito difícil. As pessoas, às vezes, não entendem. Tem uma frase da comunidade autista: o autista não tem cara, não tem característica. E é muito difícil. Hoje, ele já fala muita coisa, ele já fala bastante. A gente é muito abençoado com o Murilo. E vamos continuar sendo abençoados. A igreja nos deixou muito fortes, principalmente como casal, como companheiros.”

Preparação para TAF

Mas o Nascimento teria que enfrentar outro desafio: o Teste de Aptidão Física. Pesando  117kg, teve que mudar a rotina rapidamente e ganhou apoio dos amigos do trabalho. “Foi outra batalha porque eu estava focando só nos estudos, né? Deixei o físico um pouco de lado. Então, depois da aprovação, mais outra batalha, que é o TAF, né? Eu tinha uns quilinhos para perder. Aí eu estava com 117 quilos. Era foto na geladeira, foto no armário. Toda vez que abria geladeira, tinha foto do Murilo, tinha foto nossa da família. Você está passando fome agora para depois conseguir.” Nascimento aproveitava o intervalo do trabalho com socioeducador para correr na quadra com apoio dos amigos do trabalho.

“Acordava 4, 5 horas da manhã. Ia fazer uma caminhada de jejum, depois fazer os afazeres ali de casa, deixar o Murilo do colégio a 1 hora da tarde e ia para a academia. E eu passava 3, 4 horas na academia para poder só focar no TAF. Eu andava na quadra do Centro Socioeducativo e aproveitava esse tempo para poder me preparar”.

PRESENTE

Aesp: realização do sonho inicio de um militar

“Demorou um pouco pra fichar cair. A ficha caiu quando o sargento Bruno, que é um pai para a gente, disse: “Vocês já são militares do Estado”. E todo dia de manhã o hino nacional, hino da Polícia Militar… Vem aquela emoção de fazer parte da Gloriosa.” O dia a dia na Aesp tem feito Nascimento ampliar os olhares para o futuro. Além de policiais militares, ele terá colegas em outras forças. “Você vai sair daqui um policial muito bem preparado, observando as outras turmas, lá nas aulas práticas de abordagem, as viaturas, as coirmãs da Polícia Militar, a gente está aqui com o pessoal da Pefoce, da Polícia Civil, a gente vai atuar junto. Soma bastante para a gente poder também entender o trabalho deles”, prevê.

FUTURO

O futuro do Nascimento é olhando para frente, crescendo cada vez mais na área militar, para dar um futuro à esposa Jamily, aos dois filhos, principalmente em relação ao tratamento adequado para saúde do Murilo, autista não verbal. “Eu ter condições de proporcionar a eles uma vida melhor foi realmente um divisor de águas. Quando o desânimo batia eu olhava para o quarto e os via dormindo, eu dizia: “Não vou dormir, é por eles, eu vou estudar. Acredite no  seu sonho no seu potencial que acontece”, encerra.